Nos últimos anos a questão da equidade étnico racial tem sido elevada à condição de prioridade no meio corporativo. Não somente do ponto de vista gestão da companhia, mas também da alocação de investimentos por empresas gestoras de carteiras. No âmbito da companhia há um conjunto de aspectos julgados importantes o suficiente para assumir que a promoção da equidade ética pode significar aquisição de vantagem competitiva por meio de maior produtividade e capacidade de inovação. No âmbito externo à companhia, no contexto dos aspectos ESG, a questão da equidade étnica já faz parte dos drivers de investimento, ocasionando impactos sobre o custo de capital, fluxo de caixa livre, e consequentemente o valor da companhia.
Os problemas ao redor da questão da equidade étnica não são recentes, tampouco triviais. Em que pese frequentemente ignoradas, existem diferenças importantes entre os países. Portanto a discussão não pode ser simplesmente padronizada no nível internacional. Por exemplo, temos visto players agirem no Brasil como se nesse país a questão da discriminação da população que se assume negra seria similar ao contexto dos Estados Unidos. Contudo, suspeita-se que não seja assim tão simples a questão. No Brasil poderíamos apontar um rol de problemas ao mesmo tempo: tipicamente brasileiros, mas subestimados ou mesmo ignorados. À guisa de ilustração: discriminação sistematizada de pessoas oriundas da região Nordeste do Brasil, sejam elas negras ou não.
Seja como for, algo o que foi construído durante séculos não pode ser demolido em um instante. A mudança deve vir de várias direções, incluindo aquelas que podem não parecer óbvias à primeira vista, como a decisão de onde investir. Se você tiver a sorte de ser um agente superavitário investidor, terá meios para contribuir para a mudança. Para tanto, pode aplicar uma lente de equidade étnica em seus investimentos. Aqui estão algumas ideias sobre como fazer isso, sem a pretensão de soar exaustiva a discussão, a qual deve ser tratada de maneira séria, e profissional, pelos diferentes setores da sociedade.
O investimento sustentável significa entregar resultados financeiros competitivos enquanto gera resultados ambientais, sociais e de governança positivos, ou ESG. Isso inclui melhores resultados de equidade étnico racial. Os fundos sustentáveis tratam da equidade racial de várias maneiras. Alguns podem, por exemplo, não investir em empresas que têm um impacto negativo nas comunidades negras. Os fundos sustentáveis normalmente examinam a diversidade do local de trabalho; a equidade e as políticas de inclusão das empresas públicas; diversidade do conselho de administração; tratamento geral dedicado aos trabalhadores; ou impactos negativos de produtos e serviços nas comunidades negras. Os investidores sustentáveis têm crescentemente pressionado as empresas no trato de suas políticas de diversidade; equidade e inclusão; na composição de seus conselhos; nas formas como eles remuneram os funcionários – particularmente os trabalhadores de salários mais baixos; e nas relações de trabalho em geral. Isto é fato.
No contexto dos Estados Unidos, este ano, investidores sustentáveis estão pedindo às empresas que tornem pública a composição étnica e de gênero de seus funcionários (relatórios EEO-1). As empresas devem preencher um formulário (EEO-1) anual específico, mas ainda não são obrigadas a tornar essas informações públicas. Isso ajudaria os investidores e outros stakeholders na avaliação das iniciativas de diversidade corporativa. A esse respeito, recentemente os acionistas da DuPont votaram esmagadoramente a favor da divulgação do EEO-1, com uma surpreendente porcentagem de 84% das ações votadas a favor.
Além do disclosure via EEO-1, existem as propostas para que as empresas realizem auditorias raciais, nas quais um auditor externo avaliaria se, e até que ponto, as práticas de negócios estão perpetuando algo que se possa classificar como racismo sistêmico. Mais de um terço dos acionistas do Citi Group e da Johnson & Johnson apoiaram propostas de auditoria racial em reuniões recentes, enquanto os acionistas do JPMorgan Chase e Amazon.com votaram em propostas semelhantes em maio de 2021. Investidores internacionais relevantes, como BlackRock e CalPERS, têm adotado cada vez mais o investimento sustentável em seu próprio negócio de gestão de ativos.
Por esses e outros motivos, se você deseja desempenhar papel ativo para influenciar o desmantelamento do racismo sistêmico, e é um investidor, os fundos de ações sustentáveis diversificados que têm programas de engajamento ativo podem constituir um caminho importante a percorrer. Tem sido cada vez mais frequente, inclusive no Brasil, encontrar relatórios que se dedicam a identificar e destacar fundos que votam com mais frequência a favor de propostas de acionistas relacionadas a ESG. Grandes investidores institucionais, como a Previ, já possuem iniciativas razoavelmente consistentes nesse sentido. Mas, a maioria dos fundos sustentáveis, é claro, preocupa-se com uma gama mais ampla de fatores ESG, sem que haja ainda algo com foco particular no patrimônio racial. O serviço de informações da Bloomberg noticiou no final de julho o surgimento de algo nesse sentido no Brasil. A Iniciativa Empresarial Pela Igualdade Racial, de maneira similar, reúne quase 50 empresas signatárias de seu manisfesto. Tomadas em conjunto, as empresas de capital aberto participantes desse meio têm evidenciado desempenho ao redor de 50% superior ao benchmark brasileiro até julho de 2021 (figura adiante). Já nos Estados Unidos, o Impact Shares NAACP Minority Empowerment ETF, lista empresas dos EUA com fortes políticas de diversidade étnica.
Ao estar entre os primeiros a investir nesses ativos, alguém pode ajudar a enviar um sinal às empresas de que mais investidores estão preocupados com a equidade étnica. E quanto ao resto do seu portfólio? Investir em títulos pode ter ainda mais impacto. Os gestores de carteiras não apenas podem fazer avaliações de risco mais robustas de títulos corporativos usando avaliações ESG, mas também podem se concentrar no uso dos recursos dos ativos financeiros para avaliar seu impacto social ou ambiental. Na verdade, alguns fundos estão tendo impacto em seu foco temático central, concentrando-se em títulos verdes, que tratam de problemas relacionados ao clima, ou em títulos sociais que apoiam habitação acessível e desenvolvimento econômico em comunidades carentes. Se você for rico o suficiente para ser um investidor qualificado, terá ampla oportunidade de fazer investimentos de impacto adicionais, sejam eles à taxa de mercado ou abaixo da taxa de mercado. Mas qualquer investidor, grande ou pequeno, pode influenciar essa big picture. O pragmatismo do capitalismo pode constituir um meio para dirimir desequilíbrios endêmicos ao redor do mundo!
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