Seja qual for a organização ou instituição, desde empresas com ações negociadas em bolsa, até poderes instituídos, uma questão é presente: a qualidade da governança e o atendimento às necessidades e preferências dos seus clientes. Por sua vez, é importante refletir acerca de quem deve ser visto como cliente, por consequência: em nome de quem a estrutura de governança deve funcionar. Sociedades científicas não estão isentas dessas preocupações. Desde o início da Pandemia de Covid-19 o debate ao redor da relevância e da contribuição da comunidade científica foi realçado sobremaneira. E isto remete os membros da comunidade científica a refletir mais intensamente acerca de seu papel, e das formas segundo as quais seu trabalho deve impactar a sociedade. É evidente que nos diversos campos de conhecimento as preocupações poderão assumir uma agenda própria. Contudo, alguns princípios parecem ser razoavelmente transversais aos diferentes domínios. Adiante listo 10 princípios (ou regras) de governança de sociedades científicas que estão presentes na literatura acerca desse tema, sem a pretensão de exaurir a discussão, mas tão somente chamar a atenção para essa temática.

Regra #1 | Tenha um escopo e uma visão: Configurar e posicionar uma sociedade científica exigirá muito trabalho – portanto, é uma boa ideia, antes de começar, identificar os objetivos e o público-alvo de sua sociedade, pois eles terão um forte impacto no processo. Os objetivos de uma sociedade podem incluir melhorar o perfil de uma disciplina científica por meio de defesa pública e representação governamental, e promoção de networking, compartilhamento de informações, mentoria, oportunidades de carreira, treinamento de liderança e desenvolvimento profissional.

Regra #2 | Mantenha uma conferência periódica: Uma reunião anual, como uma conferência ou um workshop, impulsionará as coisas à medida que você constroi uma comunidade de indivíduos com um interesse comum. A reunião fornecerá um foco para suas interações e proporcionará a oportunidade de interagir regularmente ao longo do ano, enquanto você planeja o evento. Uma reunião presencial anual oferece a oportunidade de construir relacionamentos e ter ideias espontâneas para melhorar as contribuições de sua comunidade para a sociedade.

Regra #3 | Faça história, documente tudo: Você pode ter apenas começado, mas os anos passarão rapidamente e a tradição (documentada) confere credibilidade. Portanto, reserve um momento para considerar como você documentará as atividades de sua sociedade e a contribuição de seus membros para a sociedade, e para a comunidade de pesquisa em geral. Planeje arquivar as páginas da web de todos os principais eventos de sua sociedade, especialmente suas reuniões anuais. Alguns anos depois, considere instituir alguns prêmios, que podem crescer e se tornar prestigiosos no futuro. A documentação interna também é essencial, tanto para a transparência da tomada de decisões, quanto para o planejamento da sucessão, uma vez que a sociedade muda com o tempo e novos indivíduos diretores são incorporados. Arquive todas as atas de reuniões e, mais importante, todas as informações de contato, incluindo as de dirigentes e patrocinadores, usando uma plataforma online colaborativa que pode ser acessada prontamente por dirigentes atuais e novos da sociedade.

Regra #4 | Comece pequeno e aproveite as redes científicas e profissionais existentes: Uma sociedade profissional não pode ser totalmente projetada por um único cientista sozinho: ela requer consenso, bem como troca de ideias, conhecimentos e habilidades. As habilidades necessárias são muito diferentes da experiência em pesquisa e, sem orientação adequada, só podem ser adquiridas por meio de (muitas) tentativas e (alguns) erros. Se possível, tente aproveitar a experiência disponível nas sociedades e redes existentes em sua área. Os benefícios são práticos (por exemplo, listas de partes interessadas e prestadores de serviços) e conceituais, incluindo maneiras de compartilhar ideias e encontrar consenso.

Regra #5 | Defina sua estrutura de governança e constituição: A formalização da estrutura da sociedade é um passo essencial para uma entidade científica. A tarefa pode parecer assustadora no início, então é melhor começar com um conjunto simples de termos de referência e estatutos, e crescer a partir daí conforme a sociedade se expande. Você pode buscar inspiração na constituição e na governança de outras sociedades existentes, muitos dos quais estão disponíveis diretamente em seu website. Uma abordagem geralmente bem-sucedida é escolher um comitê executivo inicial composto de voluntários comprometidos, com, se possível, ênfase na inclusão e na diversidade, incluindo diversidade geográfica e de gênero. Uma estrutura típica de comitê executivo inclui um presidente, um secretário cuja função é manter registros e atas, um tesoureiro que se concentra nos aspectos financeiros muito importantes e alguns vice-presidentes com foco em missões específicas da sociedade (educação, conferências, comunicações, relações com a indústria). Um grupo menor tende a ser mais eficiente; entretanto, é essencial que os deveres da sociedade não sejam deixados sobre os ombros de apenas uma ou duas pessoas.

Regra #6 | Seja inclusivo: Começar uma sociedade com alguns de seus contatos mais próximos e colaboradores frequentes é fácil, mas pode limitar o potencial de crescimento de seu novo grupo, pois você tenderá a ter contatos semelhantes e transitar nos mesmos círculos. Portanto, é fundamental pensar além de seus parceiros de pesquisa e chegar àqueles com quem você talvez não tivesse motivos para entrar em contato antes. Tente não excluir ninguém que queira se envolver, especialmente no início. Além disso, especialmente para organizações com foco regional, é importante ser inclusivo e abranger toda a extensão de seu domínio no início. Sua divulgação será muito auxiliada pela inclusão de indivíduos de diferentes universidades e instituições. Enviar um e-mail personalizado ou ligar para parceiros em potencial sobre suas intenções de formar uma nova sociedade pode, às vezes, produzir resultados surpreendentes. Se eles próprios podem não estar interessados, geralmente conhecem alguém que pode estar. A inclusão também é essencial para a responsabilização. A sociedade não deve ser vista por estranhos como uma loja fechada ou um clube exclusivo, mas deve se esforçar para ser aberta e agir para o benefício da comunidade e da sociedade, em vez de apenas alguns indivíduos selecionados, isto infelizmente ocorre com alguma frequência.

Regra #7 | Planeje os aspectos financeiros e jurídicos: Se você deseja que sua sociedade seja mais do que um esforço informal dirigido por voluntários, ela precisará financiamento sustentado. As fontes de financiamento mais comuns para sociedades são taxas de filiação e receitas de conferências, mas você também deve investigar quais subsídios e esquemas de financiamento estão disponíveis em sua região que sua sociedade poderia alavancar. Em muitos países, subsídios estaduais, institucionais e filantrópicos estão disponíveis para fins como melhorar a comunicação e a rede de contatos entre cientistas, fortalecer uma disciplina científica específica ou atender às necessidades de educação e desenvolvimento profissionais. Esses subsídios podem ser uma grande fonte de financiamento para projetos pontuais ou para o lançamento de uma nova iniciativa e, muitas vezes, são mais fáceis de obter do que os principais subsídios para pesquisa. No entanto, nem sempre são bem divulgados e é uma boa ideia criar uma força-tarefa de arrecadação de fundos com membros de uma ampla gama de instituições que fica de olho nas oportunidades de financiamento. A diversidade é fundamental, pois os membros da força-tarefa de diferentes círculos estarão mais propensos a ouvir sobre concessões e oportunidades de patrocínio de diferentes fontes. A chave para muitas sociedades bem-sucedidas é sua capacidade de alavancar doações para conferências e workshops e networking para tais fins. Reservadas condições de isenção e independência da sociedade científica, não deixe de explorar as possibilidades de originação de recursos com doações corporativas que possam ser classificadas como itens de benefício fiscal para as companhias.

Regra #8 | Projete uma estratégia de comunicação clara: A comunicação é chave para uma sociedade de sucesso. Os membros precisam se sentir parte de uma comunidade ativa e mantidos informados sobre as atividades relevantes. Um website de sociedade profissional é importante como a principal fonte de informações sobre os objetivos da sociedade, governança, eventos e informações sobre membros. Um calendário de eventos anual é um recurso de manutenção relativamente baixa, que pode atrair membros existentes e potenciais para o website e anunciar os eventos da sociedade. A sociedade deve decidir se esses websites serão abertos ao público ou restritos aos seus membros. Tecnicamente, há uma série de estruturas nas quais você pode criar um website de aparência profissional que também permite que você acompanhe sua associação. Uma lista de mala direta é essencial para alcançar todos os membros, e deve-se ter um mecanismo para mantê-la atualizada quando o número de membros expirar ou for renovado. Juntar-se a uma sociedade e não ter notícias acerca dela até o momento da renovação não oferece um incentivo para renovar vínculo com a sociedade científica. Se sua sociedade científica está perdendo espaço, apelo e prestígio, reflita a esse respeito!

Regra #9 | Procure parcerias e afiliações com outras sociedades: Todas as sociedades científicas devem ter o objetivo de melhorar a rede e a comunicação em suas áreas e, nesse contexto, sinergias significativas podem ser geradas por meio de parcerias com sociedades mais estabelecidas. Os benefícios incluirão acesso a experiência e, frequentemente, a serviços, incluindo organização de conferências (consulte a Regra #2) e jurídico (consulte a Regra #7) e suporte administrativo. Qualquer sociedade cujos objetivos incluam a defesa de sua disciplina científica (ou campo de conhecimento) ganhará muita força ao ser capaz de recorrer à força de um grupo maior e mais comprometido em entregar contribuições efetivas para a sociedade. Sua sociedade científica também pode ter acesso a alguns esquemas de financiamento e subsídios específicos por meio de parceria com uma organização maior.

Regra #10 | Divirta-se: aproveite a ciência e construa redes confiáveis de amizade: As sociedades acadêmicas são um negócio sério, que promove a colaboração científica crucial. Mas, ao mesmo tempo, são clubes sociais sustentados também por investimento de tempo sob a forma de voluntariado. Sua sociedade será mais sustentável se os membros não apenas considerarem as atividades da sociedade significativas, mas também as considerarem experiências agradáveis ​​e especiais, compartilhando tempo com outros colegas. Uma maneira fácil, mas eficaz de facilitar isso é garantir que você deixe algum tempo livre (por exemplo, horário de almoço e à noite) ao programar eventos para permitir que os participantes se socializem. Um dos maiores benefícios colaterais de uma sociedade é a oportunidade de conhecer e trocar experiências com muitas pessoas de diferentes formações, com retornos que vão além do científico. Ao realizar uma reunião (especialmente se for em um local interessante), sua sociedade fornecerá um catalisador para relacionamentos divertidos e produtivos e, ocasionalmente, até mesmo o início de amizades duradouras.

Administrar uma sociedade profissional não é algo que deva ser assumido trivial: requer trabalho e dedicação que podem comprometer/afetar seus projetos de pesquisa e outros objetivos imediatos de carreira. Certamente não deve ser uma missão solitária. Mas há muitos benefícios e recompensas potenciais em termos de promoção do perfil de sua área de conhecimento, impulsionando seu próprio perfil, desenvolvendo habilidades úteis de gestão e liderança, encontrando mentores e formando contatos essenciais e parcerias, à medida que a comunidade científica (e seus resultados) tem se tornado cada vez mais colaborativa. Uma sociedade de sucesso será uma fonte de aprendizagem ao longo da vida e de novas ideias, abrirá oportunidades de carreira para estudantes e pesquisadores e proporcionará uma voz muito mais forte para sua disciplina do que um cientista solitário e isolado.