Uma série do Netflix, Dirty Money, em um dos seus episódios trata de Pay Day Loans, que facilmente alguém pode ver como agiotagem. Agiotagem é crime em diversos países, dada a possibilidade de colocar famílias em sérios problemas financeiros e/ou emocionais. Afinal, quais indivíduos acabam por cair nas garras de agiotas? Por quais motivos? Como prevenir e corrigir esse problema? Essas perguntas nos guiaram em um estudo publicado na Revista de Administração de Empresas.
O fenômeno da informalidade na economia é visto com maior ou menor intensidade na maioria dos países ao redor do mundo. A economia informal estimada no Brasil cresceu, entre 1999-2007, ao redor de 40%. Nesse sentido, a informalidade da economia brasileira é mais explicitamente semelhante à média verificada em países como Colômbia (41%), Uruguai (51,5%), Equador (36,6%) e Venezuela (33,4%) do que àquela verificada em economias como China (13,5%), Índia (24%), Argentina (25,5%) e Chile (20,3%).
A economia informal não só compromete as receitas fiscais, como também distorce os números oficiais sobre desemprego, renda, consumo e outros indicadores, prejudicando as políticas públicas que dependem desses dados. Se, por um lado, a economia informal compete pela mão de obra, por outro, tem um efeito positivo na economia formal, já que pelo menos dois terços dos ganhos do trabalho informal são imediatamente gastos na economia oficial. Uma das formas mais rápidas de promover o desenvolvimento financeiro nos mercados emergentes consiste em atrair indivíduos e empresas para o setor financeiro formal.
O crédito eficiente depende de uma série de instituições de apoio que possam fornecer: (i) uma taxa de retorno razoável aos credores, (ii) um fluxo constante de informações dos mutuários para os credores e (iii ) meios legais para a execução de garantias. No entanto, essas instituições exigem que os mutuários forneçam comprovações de renda e endereço, e apresentem a propriedade de bens executáveis. Pelo menos no mercado brasileiro, não há obstáculos explícitos para que um trabalhador detentor de trabalho informal garanta crédito a partir de fontes oficiais. Na prática, esse trabalhador terá dificuldades em fornecer documentos relacionados a renda ou ativos que possam ser usados como garantia. A consequência negativa consiste em maiores risco e taxas de juros.
A viabilidade de mecanismos de garantia está associada à qualidade das instituições jurídicas. Os países emergentes têm ambientes institucionais menos favoráveis à transferência de propriedade de ativos colateralizados. Uma economia informal exacerba essas desvantagens, pois ativos sem comprovação formal de título de propriedade têm seu valor drasticamente reduzido. No início da década passada, pesquisadores estudaram o viés comportamental na escolha de empréstimos consignados e concluíram que os indivíduos podem estar plenamente informados sobre a taxa de juros cobrada pelo crédito consignado, podem não ter dificuldade em controlar gastos, e talvez não tenham expectativas excessivamente otimistas quanto à sua capacidade de pagar tais empréstimos. No entanto, optam por contrair empréstimos consignados com taxas de juros elevadas porque podem estar com necessidades urgentes de dinheiro, e não possuem outras alternativas de empréstimo. Em outras palavras, sua decisão não é necessariamente irracional, mas reflete uma escolha por maximizar a utilidade em relação às limitações que enfrentam.
Um ponto de vista alternativo – mas não excludente – defende que a falta de alfabetização financeira atua como uma barreira importante na demanda por serviços e produtos financeiros. Se os indivíduos não tiverem conhecimento dos produtos que lhes são oferecidos, ou, mesmo, não souberem diferenciar as alternativas possíveis, não buscarão as melhores alternativas. Anamaria Lusardi ressalta que o crédito tornou-se mais acessível, mas a maioria dos indivíduos ainda não é capaz de realizar cálculos simples de juros compostos.
A questão da alfabetização financeira pode ser cada vez mais importante à medida que os produtos financeiros se tornam mais abundantes e complexos. Anamaria Lusardi juntamente com Olivia Mitchell argumentam que o desenvolvimento dos mercados financeiros trouxe vantagens, como contratos personalizados e melhoria no acesso ao crédito. No entanto, impôs mais responsabilidade às famílias, que tiveram de administrar suas finanças de modo responsável. Alguns pesquisadores sugerem a possibilidade de uma indústria de marketing predatório. A esse respeito, outros pesquisadores observam que algumas empresas podem esconder certas informações de consumidores pouco previdentes (por exemplo, sobre tarifas e custos).
Um exemplo disso são as empresas que oferecem cartões de crédito sem tarifas anuais, escondendo o fato de que isso só é válido para o primeiro ano de uso. A divulgação de informações do produto é o principal fator da eficiência nos mercados de consumo, com externalidades positivas para a sociedade. A maioria dos estudos focados em empréstimos informais analisa atividades de empréstimo de dinheiro. No entanto, outros estudos apontam que os empréstimos informais entre amigos e parentes representam um fator econômico significativo. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que em alguns países, mais de um terço dos indivíduos recorre à sua rede pessoal de conhecidos para garantir um empréstimo nos últimos 12 meses. E, dentro de alguns grupos, a família e os amigos do indivíduo representam sua primeira opção em caso de necessidades financeiras. Além disso, esse comportamento não significa necessariamente a falta de acesso a serviços financeiros. No entanto, depositar confiança excessiva na família e nos amigos pode, por sua vez, exercer pressão financeira sobre esses grupos e sobre as redes informais. O limitado número de estudos sobre o tema, particularmente no Brasil, pode ser explicado pela inacessibilidade de informações sobre atividades de crédito no mercado informal. Os únicos estudos conhecidos no Brasil concentraram-se na comunidade chinesa local e na agricultura cafeeira do estado de São Paulo no final do século XIX.
Em adição, nenhum dos estudos sobre mercado informal de empréstimos abordou o tema da alfabetização financeira. O conhecimento financeiro é um importante preditor do comportamento financeiro nos mercados emergentes. Anamaria Lusardi e um co-autor, por sua vez, alertam que, apesar da crescente relevância das decisões sobre empréstimos em face das recentes crises de crédito, poucas pesquisas examinaram a relação entre alfabetização financeira e endividamento. Portanto, há uma lacuna no tocante à análise dos efeitos potenciais da alfabetização financeira no Brasil, especialmente quando relacionada ao uso de serviços financeiros pelas classes de baixa renda. Nesse sentido, fazer avançar a compreensão da alfabetização financeira pode ser útil não só para o desenvolvimento de melhores produtos financeiros, mas também para melhorar políticas públicas nas áreas de habitação, transferências de dinheiro condicionadas.
Nosso estudo, de acesso livre e gratuito, analisa o papel da alfabetização financeira quando indivíduos tomam empréstimos de fontes informais.
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